terça-feira, 9 de outubro de 2012

Ética Hacker


Matrix é uma trilogia cujo primeiro filme foi lançado em 1999, sucesso de bilheteria e crítica, arrecadou cerca de 456 milhões de dólares sendo que seu custo de produção foi estimado em 65 milhões de dólares. Este filme conta a história de Neo interpretado por Keanu Reeves. Neo é um programador que vive em um cubículo escuro e sente fortes dores de cabeça e sensações de que há algo de estranho no mundo em que vive. E suas sensações são corretas, pois esta história conta em um tempo muito afrente, um mundo dominado pelas máquinas, no qual os homens são aprisionados em casulos para gerar bioenergia, já que é esta a forma que as máquinas encontraram para garantir sua sobrevivência.
A Matrix seria uma espécie de computador central que gera na mente dos homens aprisionados sensações e experiências que os fazem crer que realmente vivem uma vida normal, as máquinas obrigam-se a fazer uso disto pela afirmação feita no filme de que um corpo não poderia viver sem uma mente. Após esta compreensão da temática, destaca-se a questão chave abordada no filme, a questão da escolha. O livre arbítrio neste contexto é tratado como um diferencial dado somente àqueles que aguentariam saber da verdade. Desta forma, acaba-se evidenciando através desta analogia umas das maiores qualidades do homem: a capacidade de ação por meio da razão.
Neo acaba tendo que tomar a difícil decisão de escolher entre a pílula vermelha ou azul, conhecer a verdade ou continuar na ignorância carcerária respectivamente. Ao escolher a vermelha ele buscou conhecer a verdade, porém dolorosa. A história conta também, que outros que passaram por esta situação preferiram permanecer na ignorância e disto conclui-se que a resistência a qualquer método de opressão só é possível através do conhecimento e que este exige no mínimo a valorização da liberdade. Através da reflexão acerca desta obra fictícia é possível abordar uma série das mais importantes questões filosóficas trazendo á tona motivos que tornam a ética indispensável para a vida das pessoas, sendo no âmbito social ou profissional independente dos diversos segmentos aos quais estas possam vir a pertencer.
Obviamente, este filme não trouxe novas questões para a filosofia. Para aqueles que conhecem é perceptível que este filme foi baseado em um diálogo travado pelo filósofo Sócrates com Glauco e que encontra-se descrito no livro “A República” de Platão, sob o título de “A Alegoria” ou “Mito da Caverna”, o qual narra a tentativa de Sócrates mostrar a Glauco através de uma analogia o caminho percorrido por um indivíduo na tentativa de se ver livre do mundo da ilusão e atingir a esfera da verdade, tentando demonstrar que a verdade não se encontra meramente através das aparências.
Esta explanação de Sócrates conta a história de pessoas que desde seu o nascimento são acorrentados no interior de uma caverna de modo que olhem somente para uma parede iluminada por uma fogueira, que ilumina um palco onde estátuas dos seres como homem, planta, animais etc. são manipuladas e vistas pelos prisioneiros apenas como sombras projetadas na parede, sendo a única imagem que aqueles prisioneiros conseguem enxergar. Acabam vendo estas encenações corriqueiramente e com passar do tempo tomam estas por referência e dão nomes a estas sombras e associam também sua regularidade fazendo competições entre eles para comparar o número de acertos em relação ao nome daquela sombra e sua respectiva aparição.
A história conta que em um determinado dia, um daqueles prisioneiros é forçado a sair da caverna. No momento em que é atirado para fora da caverna o sol cega seus olhos forjados praticamente pela escuridão, relutantes e demorados a entender a verdadeira realidade. Em um primeiro momento pensa em retornar para a caverna, entretanto ao passo que percebe que passou a vida toda julgando e crendo apenas em sombras e ilusões o homem se compadece de seus companheiros que ainda estavam a caverna e decide resgatá-los. Esta é uma parte sensível da história, já que como os prisioneiros não nunca tiveram contato com outra esfera a não ser a da realidade que presenciam, debocham de seu colega liberto e afirmam que este está louco e que se o mesmo não parasse com aquelas ideias acabariam por matá-lo, não aceitando a possibilidade de existência de outro cenário diferente daquele que conhecem.
Esta alegoria afirma que os prisioneiros são equivalentes as pessoas que segundo diferentes culturas, acostumam-se com mesmas noção por vezes insubjetivas que geram um juízo de fato sem que ao menos o indivíduo reflita sobre aquilo que acredita ideologicamente da mesma forma que aquilo o foi transmitido. Nesta linha de raciocínio conclui-se que o indivíduo pode vir a ser prisioneiro de uma caverna que ele próprio ignora. Atualmente, por muitas vezes o sentimento individualista toma o ser humano fazendo com que esqueça ou não queira ver os inúmeros problemas sociais existentes e por vezes com pouco conhecimento da verdade, as pessoas acabam não sendo racionais e críticas a respeito do que pode e deve ser feito para mudar o que está errado.
O indivíduo ciente torna-se refém de suas próprias escolhas e se este possui um bom nível de criticidade e sensatez compreende que as consequências de seus atos se realizados para o bem comum serão produtivos no presente e futuro. Para tanto, o requisito é estar ciente, consciente e desta forma o mais necessário é a busca constante da razão, que não é de difícil acesso e só depende da vontade de cada um. Após esta reflexão introdutória que conclui que a ética é intrínseca ao ser que deve querer possuí-la o texto segue com a óbvia informação de que a cultura hacker, como qualquer outra, também possui sua ética.
Os hackers são conhecidos pela maioria das pessoas como pessoas que criam e disseminam vírus, atacam computadores e espalham dados pessoais pela internet. O que pouca gente sabe, no entanto, é que a cultura hacker surgida na década de 1960 é responsável por uma série de soluções que são utilizadas no cotidiano. Para entender um pouco melhor, é necessário saber o que cada um dos nomes significa. Hackers, na verdade, são indivíduos que elaboram e modificam softwares e hardwares de computadores, seja desenvolvendo funcionalidades novas ou adaptando as antigas. Já cracker é o termo usado para designar quem pratica a quebra (ou cracking) de um sistema de segurança. Na prática, os dois termos servem para conotar pessoas que têm habilidades com computadores, porém, cada um dos "grupos" usa essas habilidades de formas bem diferentes. Os hackers utilizam todo o seu conhecimento para melhorar softwares de forma legal e nunca invadem um sistema com o intuito de causar danos. No entanto, os crackers têm como prática a quebra da segurança de um software e usam seu conhecimento de forma ilegal, portanto, são vistos como criminosos.
Definindo melhor, conforme a enciclopédia livre, hacker é um indivíduo que se dedica, com uma intensidade incomum, a conhecer e modificar os aspectos mais internos de dispositivos,  programas e redes de computadores. Graças a esses conhecimentos, um hacker frequentemente consegue obter soluções e efeitos extraordinários, que extrapolam os limites do funcionamento "normal" dos sistemas como previstos pelos seus criadores; incluindo, por exemplo, contornar as barreiras que supostamente deveriam impedir o controle de certos sistemas e acesso a certos dados. Abstraindo-se conceitos encontrados no site Hackerteen, postados pelo professor e sociólogo Sergio Amadeu o termo compartilhar era a regra e o esperado dentro da cultura hacker. O princípio do compartilhamento foi resultado da atmosfera informal e do acesso não burocrático aos recursos no MIT (Massachusetts Institute of Technology). No início da era dos computadores e da programação, os hackers do MIT desenvolviam os programas e os compartilhavam com outros usuários. Se o hack (termo utilizado para expressar o código do programa) fosse particularmente bom, então o programa poderia ser postado em um quadro em algum lugar perto dos computadores para que assim pudesse ser melhorado ou adaptado colaborativamente, e os programas que fossem construídos em cima deste, eram arquivados em fitas e guardados em uma gaveta de programas, de fácil acesso a outros hackers.
Segundo Pekka Himanen, escritor e estudioso deste movimento, um hacker adora encontrar desafios em que possa usar livremente sua inteligência para assim superá-los e no momento da obtenção do resultado compartilhá-lo. Pode-se afirmar que os valores mais importantes para um hacker são o conhecimento a liberdade e a colaboração (compartilhamento). Neste contexto, a crença no poder de uma máquina, como o computador, na capacidade da melhoria de vida da população é um estimulo a mais para os valores éticos deste grupo que trabalham de forma coletiva e aberta. Uma das mais revolucionárias tecnologias da atualidade, a internet, foi fomentada por este segmento. Sobre essa ética hacker, Pekka Himanen, em seu livro A Ética Hacker (2001), descreve os métodos de trabalho daqueles que atuam mais diretamente no desenvolvimento de softwares para computadores e, expandindo esse conceito, pensa que essa postura hacker pode ser, em última instância, uma postura para todos os campos das atividades humanas.
Ainda segundo este autor, são sete as características da chamada ética dos hackers: paixão, liberdade, valor social (abertura), nética (ética da rede), atividade, participação responsável e criatividade, todas elas devendo estar presentes nos três principais aspectos da vida: trabalho, dinheiro e ética da rede (HIMANEN, 2001, p. 125-127). Paixão também pode ser entendida como a palavra que descreve o que Linus Torvalds chamou de “entretenimento”, essa é o entusiasmo e o prazer de fazer o trabalho. Liberdade é descrita como a liberdade no estilo de vida. Usualmente, hackers não trabalham com horário fixo para produzir software, eles gostam da liberdade de serem capaz de trabalhar a hora que melhor os convêm. Valor social é referente ao trabalho feito “pela” comunidade “para” a comunidade e a apreciação de tal trabalho. A abertura é o conceito do trabalho ser aberto para ser cobrado, melhorado, copiado... Atividade é o conceito de fazer algo com suas crenças, é sobre colocar em prática os princípios de cada um. Consideração está relacionado com respeito, quando em comunidade todos podem participar e é importante ter consideração pelo outro para gerar um ambiente harmonioso. O último é criatividade, é o valor de criar algo novo, surpreendente, autêntico. É a inovação das características do software que o faz mais fácil, prático e completo.
Conforme publicação de Brunet, em seu artigo “Software livre e ética hacker como propulsores de projetos artísticos e culturais” inúmeros projetos de grande porte foram desenvolvidos com base nos valores da ética hacker:


“[...] são comumente encontrados nos projetos colaborativos artísticos e culturais na internet. Projetos como Wikipedia (http://pt.wikipedia.org), Freesound (http://freesound.iua.upf.edu), Slashdot (http://slashdot.org/), Metafilter (www.metafilter.com), Yellow Arrow Project (http://yellowarrow.net), Converse (http://converse.org.br), Our Media (http://www.ourmedia.org), Wikimedia Commons (http://commons.wikimedia.org) e Sito (http://www.sito.org) são trabalhos feitos por voluntários que realmente tem paixão uma paixão pelo que fazem.” (2010).

 Nelson Pretto, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo afirma que esses princípios dos hackers possibilitaram a construção do ciberespaço e que este com os aparatos tecnológicos digitais, possibilitou intrinsecamente a emergência de novas linguagens e de novas práticas de produção de conhecimentos e de culturas. Nestes preceitos, pode-se afirmar que diversas personalidades tiveram uma conduta hacker durante sua trajetória e a simples frase da poetisa brasileira, Cora Coralina além de transmitir bem o sentimento deste grupo é uma prova disto: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Sendo assim, conclui-se que no momento em que sejam incentivados valores semelhantes aos cultivados por este segmento, muitas novas ideias e projetos surgirão já que a criatividade que é a base da inovação sustenta-se sobre os pilares do conhecimento.
 


REFERÊNCIA

PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. RIBEIRO, Renato Janine. Ser Ético, Ser Herói. Disponível no site: <http://www.renatojanine.pro.br/Etica/heroi.html>. Acesso em: 11/09/2012.
WIKIPEDIA, The Free Encyclopedia: Hacker. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hacker >. Acesso em: 11/09/2012.

WIKIPEDIA, The Free Encyclopedia: Ética Hacker. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89tica_hacker>. Acesso em: 11/09/2012.

WIKIPEDIA, The Free Encyclopedia: Matrix. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Matrix>. Acesso em: 11/09/2012.

AMADEU, Sergio.  Hackerteen : O juízo de fato da ética hacker. Disponível em: <http://www.hackerteen.com/pt-br/link/etica-hacker-faixa-preta.html>. Acesso em: 11/09/2012.
BORGES, Jamile. Pirataria e ética hacker. Disponível em: <http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1428 >. Acesso em: 11/09/2012.

PRETTO, Nelson. Redes colaborativas, ética hacker e educação. Educação em Revista, Belo Horizonte, n.3, dez 2010.

HIMANEN, Pekka. The hacker ethic: a radical approach to philosophy of business. New York: Random House Trade Paperbacks, 2001.
BRUNET, Karla Schuch. Software livre e ética hacker como propulsores de projetos artísticos e culturais na Internet. Revista Digital do LAV, v. 2, p. 1, 2009. [Pdf]

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